quinta-feira, abril 09, 2020

UM CASO COM A MINHA CASA





A casa. Eu sou dos da casa. Gosto de fechar a porta. Olhar para as minhas divisões e sentir nelas a minha vida. Tive 3 casas. A dos meus pais, na praia e com o que tudo isso me trouxe, um pequeno apartamento alugado, que marcou o início da minha vida emancipada, e o apartamento onde vivo, cheio de luz, plantas, horizonte de mar. É a biografia das minhas casas. Vivo nesta última há uns 17 anos, perdi a conta. Tudo o que ela tem fala de mim, ou foi feito por mim, ou trouxe de um momento e de um lugar ou teve a mão de alguém que gosto muito. Em casa escrevo, faço ginástica, amo, crio, leio, faço silêncio, ouço discos, crio plantas, guardo a luz. É, na minha casa guardo a luz, encho-me de brilho para sair dela feliz, e a ela voltar com aquela necessidade de recarregar.

Viajo muito, e tenho sempre saudades da minha casa, e imagino como ficariam as coisas do outro mundo em minha casa. Honestamente, acho que tenho um caso com a minha casa. Vibro com as folhas novas do bonsai, ou do jasmim, as novas peças de oleiro que coloquei na janela, as memórias da minha mãe que vou dando moldura, para que me cumprimentem muitas vezes. Adoro ver a luz entrar nas portas das minhas varandas e adivinhar-lhe as horas, mornas. E da chuva, como é bom ouvir a chuva de dentro da minha casa, enquanto a lareira me avisa da sua crepitada presença. E como gosto de guardar decorações antigas e depois busca-las e troca-las pelas que estavam, sair de casa, e entrar logo, e olhar para tudo com um espanto renovado, como se fossem coisas novas. A minha mãe fazia o mesmo, e ria-se tanto com ela mesma. E eu rio-me tanto comigo mesmo.

Na minha casa as luzes de natal estão acesas todo o ano, a lembrar-me Paris e Londres, nos cafés e restaurantes onde tantas vezes me perdi à procura de cada detalhe. Mas, essencialmente, porque gosto do Natal. Não sei o deste ano, sem a minha mãe, acho que vou saltar a época. Logo vejo.
Na minha casa recebo quem gosto, visto-a para receber e lá ando eu a rodopiar pela casa porque ela vai ser vista e tem de estar bonita, e na cozinha os aromas ganham-se de vida e carácter. É isso, carácter, é o que gosto na minha casa. Fala em nome próprio. Móveis desenhados por mim, outros resgatados do tempo, ou com assinatura de criadores que gostei. É para isto que serve uma casa, para falar da nossa alma, da nossa história pela terra. Das nossas geometrias emocionais. Não quero saber se não gostam da minha casa, mas adoro que a elogiem, até acho que ela dá um pulinho de alegria, como que a dizer-me: vês? Gostaram de nós. Se tenho a casa que quero, claro que sim, porque ela tem tudo o que o meu tempo precisa.

A casa é, nos dias de hoje, o meu ventre, o meu colo, o peito que me abriga. Da minha varanda vejo o mundo, e quando não vejo tudo, saio, mas para voltar rápido, porque na minha casa, a luz, é um espetáculo sempre diferente.


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