terça-feira, outubro 08, 2024

A BELEZA DO INVERNO

 

É no inverno que acontece a mais alta confrontação de nós para nós. Os dias mais curtos, vivemos mais a casa, temos frio, resguardamo-nos, convivemos menos, saímos menos. Tudo menos. Mas, na verdade, pode ser tudo mais. Há melhor do que um passeio numa praia deserta, com um bom casaco, e só nós e o grandioso mar? Uma manhã em casa, resguardado numa confortável manta de sofá, na companhia de um livro, de um bom programa de tv, a fazer uns telefonemas com calma, para gente que se gosta? Beber um chá quente em frente a uma janela de chuva e frio? Usar roupa quente e confortável, quando o dia quase nos diz que é impossível sair. Organizar um jantar, com comida de conforto, para quem nos conforta na vida... Tanta coisa, muitas delas sozinhos, mas igualmente interessantes quando acompanhados por quem nos faz bem, acrescenta a alma, e alimenta o frio dos dias. Não tenham medo do inverno, olhem para ele com a maior potencialidade de nos acolhermos dentro daquilo que nos apazigua.


Até já

segunda-feira, setembro 23, 2024

NÃO



Quando era muito criança a minha mãe disse-me que das palavras mais importantes que tenho de aprender é o não. Claro que na altura não percebi bem, mais tarde, no tarde de hoje, faz todo o sentido. Dizer não, é assumir a nossa mais alta atitude, contra o esperado de nós, e ter a capacidade de dizer não é a revelação de uma elevadíssima maturidade. Porque não há pessoas que estejam na lista dos intocáveis do não. Era o que faltava. Família, não, não nos podem contrariar a levar com almoços para marcar ponto, emprego, não podem falar de qualquer modo, somos empregados, ou patrões, mas não, comigo não fala assim. Amigos, não me apetece sair, não estiveste bem, não estás magro... lamento. 

O não revela verdade, verticalidade e pensamento. Obviamente pode ser um não errado, e aí surge a outra verdade, afinal estava enganado. Humildade. Confesso-me farto de submissos, lambe botas, gente que vive pela cabecinha dos outros, que tem pânico de contrariar, castrando a vontade própria. Digam não, porra!! Não quero, não vou, não gostei, não fale assim comigo, por favor. Tão bom.

Não, comigo não, sempre educadamente não, mas a mim não fazem o que contraria a minha essência, sem que isso afete em modo nenhum a essência dos outros.

Experimentem, é libertador. Queres vir jantar? Hoje não, obrigado. Porquê, preciso de tempo para mim.

E de um não virá um bonito sim ao saber com quem contamos.


Abraço

terça-feira, julho 30, 2024

INTENSO





 Sou intenso. Não foi uma definição que eu encontrasse para mim, mas um amigo caracteriza-me assim, intenso. Na alegria, nas experiências, na tristeza, na vibração, nas ideias. Enfim... na vida. Se gosto do adjetivo? Não. Porque associo intensidade com falta de sossego e serenidade, não será bem assim, mas é o que me lembra.

Mas... sendo eu uma pessoa que gosta da vida, e respira os momentos, porque não sei quando se repetem, é com teimosia que aceito a intensidade. E que mal vem ao mundo olhar para os dias com a vibração de algo por estrear? Recomendo intensidade, muita, e a dose certa de serenidade. É uma balança incrível de se viver. Usufruam...


Hélder

quarta-feira, maio 15, 2024

O NÚMERO DE UMA VIDA


 Este era o meu número de roupa no seminário. A minha mãe bordava toda a minha roupa com este número, todos os anos, devotamente. Só fiquei com esta peça, um guardanapo. 241... Éramos centenas de alunos, esta era a única forma da lavandaria não perder a minha roupa. E como eu gostava de ir à lavandaria, era uma pavilhão, a cheirar a lavado, gerido por um grupo de senhoras cheias de simpatia, iam substituindo a mãe que não tínhamos connosco. Fazia sentido. 

Tinha 12 anos quando entrei no seminário e saí com 24, as duas situações por minha vontade, as duas situações muito difíceis de gerir, muito mesmo. Mas sempre, sempre por minha vontade. Há poucas coisas na minha vida que são contra a minha vontade, de momento nem me lembro de alguma. 241... parece que foi noutra vida. As despedidas ao domingo, uma a 2 semanas sem ver a minha mãe. Ela fazia-me a cama aos domingos, e quando me deitava procurava o cheiro dela para afogar a saudade. Quando se ia embora, eu subia ao ponto mais alto do seminário para a ver apanhar o autocarro e regressar a casa, onde a praia vivia bem sem mim. Aprendi teatro, poesia, canto, estudos rigorosos. Fiz-me homem. Com 12 anos comecei a ser adulto, quarto arrumado, cama bem feita, horário rígido, ao minuto. Foi muito duro, mas fez-me muito bem. Confesso, se fosse hoje, com 12 anos não iria, e ainda bem que esta idade terminou, agora vai-se para o seminário já crescido. Eu era tão menino, tão miudinho. Acreditem, pegava na roupa, bordada com 241, e em cada ponto procurava a casa, procurava a minha mãe. 


Crescer não é fácil, mas quando olhamos para trás e vemos o que somos, valeu a pena todos os sacrifícios e ausências. Eu tinha sempre comigo o secreto 241... bordado a ponto de mãe.

Honestamente, parece que foi há 100 vidas!


Aproveitem. Abraços

Hélder

terça-feira, fevereiro 27, 2024

NÃO SOU CARNAVAL, NEM PASCAL...

 


Não sou do carnaval. As poucas vezes que me mascarei foi em criança, uma em adulto, e a que guardo na memória foi um fato de palhaço que a minha mãe me fez, dos pés à cabeça, e lembro-me de como ela estava feliz com a minha alegria. Esse carnaval guardo, esse sim, porque vestia a roupa que desejava, feita pela mãe que sabia como eu queria ser, mais do que um palhaço, na verdade. Tudo o resto é para apagar da memória. Porque não gosto? ... por nada em especial; acho estranho, não condiz com a minha personalidade, não me diverte, nem me acrescenta. Mas... total respeito pela folia e foliões, façam a festa à vontade, mas não é a minha praia. 

O mesmo acontece com a Páscoa. Sei bem o sentido religioso e espiritual de festividade, pela minha formação em Teologia, e por ter quase, quase, quase sido padre. Mas conhecer a doutrina não me chega para amar a solenidade. A melhor memória... vem sempre a mãe; fazia um cesto cheio de flores do campo para receber o compasso, e com ele um bolo festivo e a melhor garrafa de Porto. Só as flores enchiam-me a alma, como era possível tanto com tão pouco. De madrugada, lá ia a Margarida apanhar as suas flores, que deveriam sorrir com o nome de quem as ia colher, e até acho que havia alegria nas flores por saberem que iam embelezar uma mesa, com toalha de branco esmerado para receber uns homens tristes, apressados, com uma cruz de sacrifício. 

Porque não aprecio a Páscoa? ... porque não gosto do sacrifício para a redenção, essencialmente isso. Não gosto da dor, para perceber a alegria do não sofrimento, não gosto de perder para dar valor ao que se tem. A vida aprende-se com a leveza, com a alegria, com a verdade, com a partilha e a exigência da verticalidade. E todos sabemos que não é assim, as grandes lições estão na mais profunda das dores, mas mesmo este facto não me faz querer celebrar a vida só porque houve a dor e a morte, em modo de cruz. Não me enche a alma, o meu entendimento não percebe, e, certamente, a minha fé é curta para tanto. Prefiro a vida pela vida. Mas, total respeito e alegria com quem se alegre e celebre com a Páscoa, essa passagem da morte para a vida, de uma margem para outra. Eu sou dos que preferem a passagem da vida para a vida, e sim, sei que nem sempre é assim, mas nada me impede de preferir este lado da história. E... sim, gosto de fotografar Cristos, como o da imagem, algures por Espanha.

A todos... dias felizes, de vida. Antes, durante, e depois da Páscoa.

Hélder

quinta-feira, janeiro 18, 2024

DEPOIS DA DOENÇA VEM A BONANÇA



Fui operado a um pulmão há 2 meses. Programado e preventivo. Já está tudo bem. Passado este tempo, olho para aquelas 3 semanas de novembro. Somos matéria frágil, achamo-nos imprescindíveis, imortais, charmosos, gloriosos e cheios de futuro. Eis o travão, a fragilidade do corpo. Nada de mal em não conseguir ir à casa de banho sozinho, não conseguir respirar na plenitude, nem dormir. Nada de mal porque, no meu caso, eu sabia que era provisório. E tantos os que enfrentam estas limitações e não sabem quando acaba o calvário? Não há nada como a doença e a fragilidade do corpo para dar ordem à vida, é o choque térmico que precisamos para valorizar a nossa integridade de agora, e a realidade de cada agenda do dia. E que todos possam pensar sempre no dia seguinte...

Porque será que quando olhamos para o passado as maiores marcas são as dores? Eu acho que é assim porque também foram esses os momentos de oportunidade para termos um pico de evolução. O outro lado da moeda. São duas dores, a circunstância e a mudança. Mas depois... e até que valeu a pena.

Na fase da minha operação, outra nota dos dias que me surpreendeu foi quem esteve. Tão bom receber colo quando nos sentimos efetivamente frágeis. Gente que está, o tempo certo, sabendo que quem está de cama não tem vida para cerimónias, nem longas conversas. Gente que se faz presente com gestos diários, simples e de delicado cuidado. Gente que cuida, mesmo longe. Também há os que usam a expressão se precisares de alguma coisa diz, e nunca mais querem saber, ou os que sabendo, não ligam nenhum. Eu percebo, a vida dos atentos não é para todos, porque a vida violenta a atenção. A Sophia dizia que o poema exige atenção. Eu também acho que a vida e o amor exigem atenção, sem ela... 

E pronto, estejam atentos, há muitas formas de se estar, fazer notar e ajudar. E na doença, sendo possível, aproveitem a maravilha que é estar melhor no dia seguinte.