segunda-feira, janeiro 06, 2025

O MEU AVÔ DOS REIS

 


Augusto Reis, era o nome do meu avô. Augusto era como eu gostaria de me chamar, sempre o foi. O meu avô era negociante de vinho, nasceu em Estremoz, filho de tanoeiros. O meu avô gostava do seu mar de Esmoriz, apreciava uma boa mesa, gostava de bons fatos e chapéus, ia ao Porto comprar as fatiotas. O grande prazer da vida dele era ver a família reunida na mesa de jantar, da sua bonita casa em Esmoriz. Era um homem tão exigente como bondoso. Nunca conheci o meu avô. Conheci a sua filha, Margarida, que teve a generosidade de ser a minha mãe e dela eu ficar a conhecer profundamente o homem da vida dela, o seu pai, o meu querido avô Augusto.

Homem organizado, de bonita caligrafia. Gostava de tocar na sua guitarra aos serões de família. Homem de família e para a família. A minha mãe viveu toda a vida com saudades do seu pai, mas recordava-lhe sempre o melhor, haveria de ter os seus muitos defeitos, mas para a minha mãe era o melhor da sua vida, e sorria com isso, e quase que sinto que o meu avô sorriria também. 

O Sr Augusto Reis era um homem de celebração. Os anos dos filhos, a Páscoa, o Natal e os Reis, sempre e muito os Reis. Na verdade, levava os reis tão a a sério que quase roubavam o protagonismo do próprio Natal. A casa era limpa de fio a pavio, o chão de madeira deveria ficar a brilhar, a melhor toalha era colocada na mesa da sala, para receber o rei bacalhau que ele iria comprar ao Porto, entre o Natal o o novo ano. Porque os reis seriam a festa da sua família, do seu nome, e o nome e a honra, no tempo do meu avó, eram meia vida.

Feliz dia de Reis, meu querido avó Augusto


Hélder

domingo, dezembro 29, 2024

UM FIM QUE É PRINCIPIO






Fim do ano é princípio do novo. Não é incrível? Não há pausa entre um e o outro e, contudo, há uma refrescante novidade, o princípio. Uma imaculada manhã de 1 de janeiro abre o novo ano, para nos recomeçarmos. Recomendo por dentro, depois na casa, seguimos caminho pelo nosso corpo e depois o trabalho. Alinho a vida por esta ordem, tudo faz parte, e tudo tem a sua prioridade. É ótimo fazer planos de novo ano, mesmo que metade fique pelo caminho, e daí? 

Pobres os que não têm sonhos nem planos, mesmo que seja ter menos confusão, menos gente, menos caos, menos ruído, menos coisas, menos correrias, menos tanto, menos presença, menos conquistas, menos dar nas vistas e mais sossego, serenidade, tempo, luz morna no corpo, amor e paz, de dentro para fora; cuidar do corpo para que a alma goste da casa onde vive. Cuidem de vocês, com menos, para terem mais.


Abraços


Hélder



domingo, dezembro 01, 2024

A TRISTE SINA DAS LUZES DE NATAL

 


Quando era criança havia um tipo de luzes de natal, o pisca pisca cheio de cores, em que as lâmpadas fundiam e tinham de ser trocadas para que voltasse a funcionar. Nada mais, e o Natal estava bem iluminado assim. 

Agora são centenas de tipos de luzes, e centenas de aberrações natalícias... nem vou descrever, mas tudo o que não seja simples e discreto entra no lote de cegueira natalícia. Eu acho que reflete como vivemos o Natal... histericamente. NA VERDADE, COMO VIVEMOS A VIDA NO GERAL. Amo o Natal, e cansa-me o Natal com ar de disco dos anos 80. Eu sei... são gostos, mas obviamente que, como tudo, os gostos discutem-se. A culpa não é de quem vende, a culpa é de quem compra sem referências ao que é o verdadeiro espírito iluminado de Natal.


Feliz Natal

terça-feira, outubro 08, 2024

A BELEZA DO INVERNO

 

É no inverno que acontece a mais alta confrontação de nós para nós. Os dias mais curtos, vivemos mais a casa, temos frio, resguardamo-nos, convivemos menos, saímos menos. Tudo menos. Mas, na verdade, pode ser tudo mais. Há melhor do que um passeio numa praia deserta, com um bom casaco, e só nós e o grandioso mar? Uma manhã em casa, resguardado numa confortável manta de sofá, na companhia de um livro, de um bom programa de tv, a fazer uns telefonemas com calma, para gente que se gosta? Beber um chá quente em frente a uma janela de chuva e frio? Usar roupa quente e confortável, quando o dia quase nos diz que é impossível sair. Organizar um jantar, com comida de conforto, para quem nos conforta na vida... Tanta coisa, muitas delas sozinhos, mas igualmente interessantes quando acompanhados por quem nos faz bem, acrescenta a alma, e alimenta o frio dos dias. Não tenham medo do inverno, olhem para ele com a maior potencialidade de nos acolhermos dentro daquilo que nos apazigua.


Até já

segunda-feira, setembro 23, 2024

NÃO



Quando era muito criança a minha mãe disse-me que das palavras mais importantes que tenho de aprender é o não. Claro que na altura não percebi bem, mais tarde, no tarde de hoje, faz todo o sentido. Dizer não, é assumir a nossa mais alta atitude, contra o esperado de nós, e ter a capacidade de dizer não é a revelação de uma elevadíssima maturidade. Porque não há pessoas que estejam na lista dos intocáveis do não. Era o que faltava. Família, não, não nos podem contrariar a levar com almoços para marcar ponto, emprego, não podem falar de qualquer modo, somos empregados, ou patrões, mas não, comigo não fala assim. Amigos, não me apetece sair, não estiveste bem, não estás magro... lamento. 

O não revela verdade, verticalidade e pensamento. Obviamente pode ser um não errado, e aí surge a outra verdade, afinal estava enganado. Humildade. Confesso-me farto de submissos, lambe botas, gente que vive pela cabecinha dos outros, que tem pânico de contrariar, castrando a vontade própria. Digam não, porra!! Não quero, não vou, não gostei, não fale assim comigo, por favor. Tão bom.

Não, comigo não, sempre educadamente não, mas a mim não fazem o que contraria a minha essência, sem que isso afete em modo nenhum a essência dos outros.

Experimentem, é libertador. Queres vir jantar? Hoje não, obrigado. Porquê, preciso de tempo para mim.

E de um não virá um bonito sim ao saber com quem contamos.


Abraço

terça-feira, julho 30, 2024

INTENSO





 Sou intenso. Não foi uma definição que eu encontrasse para mim, mas um amigo caracteriza-me assim, intenso. Na alegria, nas experiências, na tristeza, na vibração, nas ideias. Enfim... na vida. Se gosto do adjetivo? Não. Porque associo intensidade com falta de sossego e serenidade, não será bem assim, mas é o que me lembra.

Mas... sendo eu uma pessoa que gosta da vida, e respira os momentos, porque não sei quando se repetem, é com teimosia que aceito a intensidade. E que mal vem ao mundo olhar para os dias com a vibração de algo por estrear? Recomendo intensidade, muita, e a dose certa de serenidade. É uma balança incrível de se viver. Usufruam...


Hélder

quarta-feira, maio 15, 2024

O NÚMERO DE UMA VIDA


 Este era o meu número de roupa no seminário. A minha mãe bordava toda a minha roupa com este número, todos os anos, devotamente. Só fiquei com esta peça, um guardanapo. 241... Éramos centenas de alunos, esta era a única forma da lavandaria não perder a minha roupa. E como eu gostava de ir à lavandaria, era uma pavilhão, a cheirar a lavado, gerido por um grupo de senhoras cheias de simpatia, iam substituindo a mãe que não tínhamos connosco. Fazia sentido. 

Tinha 12 anos quando entrei no seminário e saí com 24, as duas situações por minha vontade, as duas situações muito difíceis de gerir, muito mesmo. Mas sempre, sempre por minha vontade. Há poucas coisas na minha vida que são contra a minha vontade, de momento nem me lembro de alguma. 241... parece que foi noutra vida. As despedidas ao domingo, uma a 2 semanas sem ver a minha mãe. Ela fazia-me a cama aos domingos, e quando me deitava procurava o cheiro dela para afogar a saudade. Quando se ia embora, eu subia ao ponto mais alto do seminário para a ver apanhar o autocarro e regressar a casa, onde a praia vivia bem sem mim. Aprendi teatro, poesia, canto, estudos rigorosos. Fiz-me homem. Com 12 anos comecei a ser adulto, quarto arrumado, cama bem feita, horário rígido, ao minuto. Foi muito duro, mas fez-me muito bem. Confesso, se fosse hoje, com 12 anos não iria, e ainda bem que esta idade terminou, agora vai-se para o seminário já crescido. Eu era tão menino, tão miudinho. Acreditem, pegava na roupa, bordada com 241, e em cada ponto procurava a casa, procurava a minha mãe. 


Crescer não é fácil, mas quando olhamos para trás e vemos o que somos, valeu a pena todos os sacrifícios e ausências. Eu tinha sempre comigo o secreto 241... bordado a ponto de mãe.

Honestamente, parece que foi há 100 vidas!


Aproveitem. Abraços

Hélder