domingo, maio 04, 2025

O MAIO DOS 50



 Como eu gosto de maio. Para quem viveu numa casa a cheirar a mar, maio era o presságio de dias de sol, e fruta vermelha. Uma primavera igualmente amadurecida, a saber a verão. Por isso os meus aniversários sempre foram cheios de sol, mesa com receitas frescas, limonadas do limoeiro no qual amarrava a minha cama de rede e nela embalava os meus sonhos todos, os que sou, os que tentei, os que vou desistir e aqueles que ainda virão. Viva a cama de rede e o limoeiro!

É uma benção fazer anos, dar-se ao luxo de se envelhecer, melhor ainda quando há cerejas, morangos ameixas e fins de tarde mais logos na praia. Meu querido mês de maio, e este ano é de meio século. Mais de metade da vida já está. Valeu tudo a pena? Hmmmm há pessoas que me fizeram perder tempo, o que é uma merda, problemas que afinal eram desocupações da alma, uma alma ocupada liga-se ao essencial... Bom, mas o todo foi bom, é bom. Tenho saúde. Sou um homem amado, escrevi livros, plantei árvores, creio ter ajudado algumas pessoas, evoluí, faço mais desporto, criei uma empresa que me orgulha muito, deixei a música, mas nunca perderei a musicalidade, e sim, ainda acredito que a televisão me quer. Viajei por lugares fabulosos, faço uma casa que adoro. Sei estar cada vez mais em silêncio. Cozinho melhor e leio melhor. Estou um homem feito. Claro que queria a minha mãe mais um dia, no dia em que farei cinquenta. Para lhe ler o meu último livro, mostrar-lhe como a minha agricultura tem crescido, e como ainda uso barba. Abraça-la e ver aqueles maravilhosos olhos pequeninos... Dizer que a amo, e sinto a falta dela todos os dias, mas sem saudade, com amor. Ela ia ficar triste como algumas coisas saíram da minha vida, mas o que nos pesa e deixa de estar... torna-nos mais leves, não acham? E quem não gosta de perder um peso a mais? 

Planos? Ter a capacidade de ter menos, exceto na saúde e no amor... e o básico para viver dignamente, nunca me dei a grandes materialidades, como está... está bom. Mas ter menos carga com o que consome, o que não depende de mim, o que não posso mudar, e que aquilo que me define não seja o que faço e digo, mas o que sou. E nem sempre é a mesma coisa. Vocês sabem. E não é assim tão fácil.

Sou grato, muito grato à vida. Foi boa nestes 50. O que falta? Provavelmente não falta, já tive... pronto, está feito, agora sossego e bebo uma limonada numa cama de rede, outra cama e outro limoeiro, porque a vida anda para a frente e nunca para trás e haja saúde, o mais central de nós, não acham?

Obrigado pelo carinho de quem acompanha a minha tímida, voluntária, vida pública. Aos que estão na minha vida, esses sabem tudo.

Até já

Hélder

sábado, março 01, 2025

O SILÊNCIO NÃO TEM RELIGIÃO

 

Nos 12 anos que tive de seminário estudei, muito, 6 anos na universidade católica onde a Teologia me deu a história universal, a história de arte, a lógica, antropologia, sociologia, filosofia, história das religiões, análise do eu e o maiores pensadores e filósofos do mundo, Aristóteles, Kant, Descartes, Hegel, Hume, Sartre, Ortega Y Gasset. Cresci a lê-los.

 Não podemos falar de interioridade, contemplação, meditação, sem estudar os clássicos, e ler os contemporâneos só me faz pensar na genialidade dos clássicos e nos lugares comuns de alguns dos atuais. E tudo isto leva-me ao silêncio. No seminário fazia 8 dias de silêncio absoluto por ano, sem religião, ou com, conforme a nossa vontade. Não havia conversa nas refeições, nas caminhadas, NADA, e o silêncio. No silêncio levava todos os nomes que estudava e com eles a profunda reflexão sobre o ser, a humanidade, e a interioridade. Ou então estava calado dentro de mim. 12 anos desta prática. No final... o meu caminho era ainda longo.

Hoje? Parece que a estrada é ainda mais longa... Estes dias saí de casa para um retiro de 3 dias de silêncio. Numa casa de silêncio e longos jardins, uma casa que não é um negócio. O objetivo... limpar-me com silêncio, e provavelmente um ou outro filósofo clássico, ou nada. O nada é um bom mergulho no tudo.


Recomendo. CALEM-SE UM BOCADINHO, POR FAVOR.


Abraços

Hélder

quarta-feira, fevereiro 19, 2025

A TRISTEZA DE NÃO TER INTERIOR




 O interior dá-nos interioridade. Estou inabalavelmente certo. Estou muito cansado de gente, fora da RTP, que trabalha comigo, há anos, e que me diz: tens de sair do registo dos velhinhos e do interior, ser mais urbano e falar para a malta mais ... nem sei o quê ( penso eu). Já desisti de explicar que tenho a sorte de a RTP me ter percebido e me permitir fazer televisão fora das cidades, junto de quem vive a vida sem deslumbre pela tontaria que, por vezes, a vida de cidade nos encaminha, e não são só os nossos mais velhos, ainda que os ame de paixão. 

Não é por eu ser agricultor de Trás-os-Montes que agora é que gosto do interior. Não, eu gosto do interior desde que me lembro de ser gente. Desde criança que viajo por Portugal. O sol do Alentejo, quando ainda havia girassóis e me deitava perto deles, do frio da serra da estrela, da neve no Marão e do silêncio do branco, do cheiro das laranjeiras do Algarve, da firmeza das beiras, do riso aberto e festivo do minho... E sim... sinto tudo isto mais autêntico quando saio das cidades. Conheço gente de uma cultura avassaladora, na proporção da humildade, gente que vive feliz na grandeza que a simplicidade tem, gente livre, gente serena, gente que enfrenta a dificuldade com determinação porque nunca se está sozinho no interior. A vida não é mais fácil no interior, até é bem difícil para alguns, mas é mais suculenta. Sabem quando abrem uma laranja e o sumo vos molha as mãos... é isso o interior. Nem todos percebem, fico feliz, porque não vão para o interior carregados com as suas dúvidas, medos e ironias palermas. Quem vive no interior tem interioridade, porque sabe que a vida é muito maior que um apartamento e uma fila de trânsito. Obviamente que conheço gente de várias cidades do mundo e estão cheias de interior, não faço a apologia de viva o campo e fora as cidades, nada disso. Mas é mais fácil dizer-se que quem vive no interior tem menos, do que quem vive numa cidade.. teoria tão errada. As pessoas do interior, as que ficam, percebem as cidades, mas a cidade, a política, não percebe o interior.

Não podemos viver todos no interior. Não temos todos os perfil de viver no interior. Mas todos deviam ter o conhecimento suficiente para perceber a grandeza da interioridade de quem vive no interior seja novo, seja menos novo, o fascínio é o mesmo.

terça-feira, janeiro 28, 2025

Solidão não é estar sozinho


 

Estar sozinho e sereno é o expoente da felicidade. Não tem nada a ver com solidão. Solidão é angustiante, depressiva, e leva a nossa cabeça por caminhos obtusos. Ter a capacidade de estar sozinho e usufruir da vida é maravilhoso e aumenta a maravilha quando partilhamos. 

Saber ocupar o tempo com o que nos enriquece, mesmo que seja a não fazer nada, é crucial para uma boa saúde mental. Quem está bem sozinho, está bem consigo. Não ter medos, duvidas maiores, culpas assombrosas. Nada de errado com quem vive nestas circunstâncias opacas da vida, mas recomendo que as tente resolver. 

A vida tem de ser leve, como diz a gente boa de São Tomé. Se pensarmos bem... o que é um problema grave, sem solução? Sem janela no telhado? É mesmo muito pouca coisa, e mesmo essas coisas complexas, com ajuda... podem levar uma volta. Eu já andei pela solidão, há anos, resolvi-me e hoje, quando estou sozinho... sou feliz, como que a preparar todos os momentos em que estou acompanhado, porque estamos bem sozinhos e estamos incríveis quando bem acompanhados! Concordam?


abraços



segunda-feira, janeiro 06, 2025

O MEU AVÔ DOS REIS

 


Augusto Reis, era o nome do meu avô. Augusto era como eu gostaria de me chamar, sempre o foi. O meu avô era negociante de vinho, nasceu em Estremoz, filho de tanoeiros. O meu avô gostava do seu mar de Esmoriz, apreciava uma boa mesa, gostava de bons fatos e chapéus, ia ao Porto comprar as fatiotas. O grande prazer da vida dele era ver a família reunida na mesa de jantar, da sua bonita casa em Esmoriz. Era um homem tão exigente como bondoso. Nunca conheci o meu avô. Conheci a sua filha, Margarida, que teve a generosidade de ser a minha mãe e dela eu ficar a conhecer profundamente o homem da vida dela, o seu pai, o meu querido avô Augusto.

Homem organizado, de bonita caligrafia. Gostava de tocar na sua guitarra aos serões de família. Homem de família e para a família. A minha mãe viveu toda a vida com saudades do seu pai, mas recordava-lhe sempre o melhor, haveria de ter os seus muitos defeitos, mas para a minha mãe era o melhor da sua vida, e sorria com isso, e quase que sinto que o meu avô sorriria também. 

O Sr Augusto Reis era um homem de celebração. Os anos dos filhos, a Páscoa, o Natal e os Reis, sempre e muito os Reis. Na verdade, levava os reis tão a a sério que quase roubavam o protagonismo do próprio Natal. A casa era limpa de fio a pavio, o chão de madeira deveria ficar a brilhar, a melhor toalha era colocada na mesa da sala, para receber o rei bacalhau que ele iria comprar ao Porto, entre o Natal o o novo ano. Porque os reis seriam a festa da sua família, do seu nome, e o nome e a honra, no tempo do meu avó, eram meia vida.

Feliz dia de Reis, meu querido avó Augusto


Hélder